LA BARCA FUTEBOL CLUBE

 

                                 Tião x Darrigo, o grande duelo entre La Barca x Perimetral.

                                                                                          (texto de Fernanda Grabauska)

Em termos de fascinação, há duas cenas muito comparáveis. A saber:

1. O momento em que uma criança, em um estádio de futebol, entende o que está acontecendo. E descobre, como um susto, que aquilo é bom.

2. Um homem crescido que veste um fardamento esportivo completo.

Se o primeiro cenário cria um laço com o esporte que, com sorte, vai durar a vida inteira, o segundo cria um laço com outras pessoas, reforçado justamente pelo esporte. Agremiações de atletas de fim de semana são, via de regra, compostas por um núcleo de amigos.

Eu não lembro em que campo transcorreram os noventa minutos de La Barca x Perimetral. Mas sei que o certame é tratado como clássico, dado que ambos os times têm meu pai como fundador. E meu pai é um dos homens crescidos de meião e tornozeleira — sábado de manhã, um calor escaldante, uma língua ferina para fazer graça com os colegas de time.

O time começa com quem havia chegado na hora, por assim dizer. E começa mal para o time do La Barca, cuja camiseta parece um copo de chope e que toma um a zero do Perimetral, cujo uniforme lembra o do River Plate com aquela faixa transversal, logo aos treze minutos.

Gramado castigado impediu que Dan desfilasse seu talento.

Eu nunca vi um jogo profissional da casamata, razão pela qual não sei se o gritedo é o mesmo. Mas o discurso é desencontrado: uns gritam para abrir, outros para fechar; uns clamam por avançar pelo flanco, outros querem velocidade por dentro do campo. Entre os berros de todos, o primeiro chute a gol do La Barca vem só aos 31 minutos, uma defesa fácil para o goleiro do Perimetral.

Mas é por aí, justamente, que o time do La Barca começa a impor o jogo. Aos 33 minutos, Cleiton deixa de dominar e perde um gol que até meu gato faria (desculpa, Cleiton). Já aos 38, quem não domina é Vini, o goleiro, que, em um lance que não consigo nem descrever de tão zoado, toma o segundo. Aos 39, novo lance perigoso quase culmina em um gol do aurinegro, mas logo depois juizão apita apontando para o centro e é hora de rediscutir a estratégia.

A várzea é especial porque muito raramente os times são constantes em escalação. Não tem como saber o sistema e nem o ritmo de jogo, porque a cada sábado são onze diferentes. Razão pela qual a virada é muito mais fácil quando os onze presentes entendem como jogam os outros onze. Mortos de calor, os vinte e dois retomam a partida.

Goleiro Vini teve atuação comprometedora no primeiro tempo.

Logo aos dois minutos, um chute na trave: o La Barca acha infiltração e começa a dominar o adversário. Até que, aos 17 minutos do segundo tempo, após muitas substituições e muitíssimas gotas de suor, Veto (sim, Veto com ve corta e não Beto com be larga) marca o primeiro e é exaltado como um Beatle. Já aos 22, Cléber derruba seu oponente, mostrando completa recuperação da lesão no joelho e aptidão retomada para seus deveres como zagueiro.

Pouco depois, com termômetro se aproximando dos 30ºC, o time perde o encaixe e dá os primeiros sinais de esgotamento. Do banco, a torcida formada por reservas e lesionados (e por mim) começa a incentivar.

Nota mental: componham cantos para entoarmos na várzea.

E, aos 32 minutos, vem a comprovação. Em um lance de descuido coletivo, o Perimetral fez 3 a 1. E poderia ser isso. Dia de clássico, esgotamento físico, uma exibição desastrosa . Não venham me dizer os senhores que futebol de várzea é um espetáculo exuberante pois não é. A graça dele é ser feio, mas ser feio só é graça quando nosso time ganha.

Na superação, Fernando iniciou a reação do La Barca.

Volto ao que afirmei no início, entretanto: a criança que entende o futebol e o homem que veste um uniforme têm mais algo em comum. Fazem parte de uma fatia da população dotada de uma modalidade a mais de afeto. Um tipo de amor extra, além daquele que sentimos por família, por cônjuges e até mais tolerante, um amor inquebrantável mesmo que adormecido. Um amor que alenta mesmo em Canoas, com um ar sufocante e um time que perde por dois de diferença.

É quando chegamos ao desfecho dramático dessa história. Eu já estava preparada para narrar uma derrota, mas aconteceu Fernando. Se ele marcou o segundo no lance em que a bola pode ou não ter desviado no zagueiro do Perimetral, jamais saberemos, e isso digo felizmente. À parte o cansaço e o calor, eram 3 a 2 e o La Barca se livrava do vexame em sábado de clássico. A torcida incentiva ainda mais.

Porque 3 a 2 já estaria bem, de verdade, mas quando você pensa que tudo acabou, há um lance estranhíssimo, uma mistura de insolação com toque-toque, um monstro Roger Machadiano que culmina com mais um gol de Veto. Todos queremos abraçar Veto, carregá-lo nas costas, orná-lo de ramos de oliveira e litrões de Polar. Pois são 43 minutos do segundo e tempo e não há tempo para mais nada antes de que o juiz apite sinalizando o fim da partida.

Com dois gols, Veto foi o destaque do La Barca.

Em dia de clássico, sai um empate com muitos gols. Na casamata, todos narram seus lances em uma luz muito mais elogiosa do que a realidade.

É sábado, revertemos o mau resultado e vamos comer churrasco.

E, aqui, eu poderia entrar novamente na pieguice da superação e o caralho a quatro, mas só o que eu tenho para dizer é isso: guris, continuem amigos. E continuem me convidando para torcer (ou só para assistir ao Zapata brigar com o juiz).

Comments are closed.